Neste mês simbólico de conscientização para necessidade de prevenção e diagnóstico do câncer de próstata, por meio da campanha mundial “Novembro Azul”, o IPEN/CNEN anuncia um marco histórico para a medicina nuclear brasileira: a primeira marcação de PSMA com o emissor alfa (α) Actínio-225 para utilização no tratamento de câncer de próstata metastático, realizada esta semana. O radiofármaco 225Ac-PSMA vem sendo experimentado em vários países, principalmente na Alemanha e África do Sul, indicando bons resultados, com grande potencial terapêutico.
Cada vez mais utilizado no Brasil, o conceito de teranóstico consiste no uso de materiais radioativos para obter informações sobre localização, forma e fisiologia de tumores, ao mesmo tempo em que carrega radioisótopos capazes de tratar as metástases. O diagnóstico de câncer de próstata pode ser feito pelo nível de antígeno prostático específico (PSA), dosado no sangue, e por imagens obtidas em exames como, por exemplo, tomografia PET, que utiliza um ligante específico do antígeno de membrana próstata-específico (PSMA, do inglês prostate-specific membrane antigen) associado aos radioisótopos Gálio-68 (Ga-68) ou Flúor-18 ( F-18).
É aí que entra a importância do passo que o IPEN/CNEN acaba de dar: uma vez feito o diagnóstico e mediante avaliação clínica, o 225Ac-PSMA pode ser usado na terapia, especificamente em tumor de próstata metastático, nos casos resistentes à castração. Nesse tipo de câncer, o PSMA tem sua expressão aumentada cerca de mil vezes, em comparação com tecido saudável, o que torna possível a sua deteção e terapia alvo dirigida.
“De fato, a terapia com PSMA marcado com o radionuclídeo alfa emissor Actínio-225 (Ac-225) tem-se tornado uma abordagem promissora no tratamento de pacientes refratários às terapias convencionais. O menor alcance da partícula alfa (α) emitida pelo Ac-225 (40 μm) permite a destruição seletiva das células tumorais minimizando os danos às células saudáveis circundantes”, explica Emerson Bernardes, gerente de Produção de Radiofármacos no Centro de Radiofarmácia do IPEN/CNEN.
Ao mesmo tempo, acrescenta Bernardes, a alta energia da radiação alfa (α) leva a uma morte celular altamente eficaz por meio de quebra da fita dupla de DNA, independente do estágio do ciclo celular ou estado de oxigenação. “Consequentemente, a radiação α pode matar as células que de outra forma exibem resistência ao tratamento com irradiação beta– [β] ou gama [γ], ou drogas quimioterápicas e, portanto, oferecer uma opção terapêutica para pacientes resistentes às terapias convencionais. É um grande passo em se tratando de câncer de próstata, ainda mais nesse mês de conscientização”.
Novembro Azul
“Não poderíamos aderir à campanha Novembro Azul de forma mais histórica do que essa. É importante salientar que esta conquista só foi possível através do esforço conjunto de diversos atores”, afirmou Efrain Perini, chefe do Centro de Radiofarmácia do IPEN/CNEN. Segundo ele, o Instituto conseguiu três remessas de Ac-225 doadas pela empresa russa JSC/JN Isotope e Jeferson Costa da JN Consult, representante exclusivo no Brasil, para a sua validação como fornecedor.
“Foi o primeiro passo visando a futura produção do radiofármaco 225Ac-PSMA no nosso Centro para disponibilizar no Brasil um novo tratamento para o câncer de próstata, já utilizado no exterior e com ótimos resultados apresentados na literatura internacional. A equipe do Centro de Radiofarmácia se orgulha em sermos os pioneiros e fazermos a diferença para a saúde dos homens brasileiros. Através do desenvolvimento deste novo radiofármaco, o IPEN continua cumprindo sua missão social para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira”, acrescentou Perini.
Perini destacou o apoio recebido do chefe da Seção de Produtos de Radioisótopos e Tecnologia de Radiação da Divisão de Ciências Físicas e Químicas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), João Osso. Foi ele quem promoveu os primeiros contatos entre o chefe do Centro de Radiofarmácia do IPEN/CNEN e os pesquisadores Alfred Morgenstern, do Joint Research Centre (JRC), de Karlsuhe (Alemanha), e Mike Sathekge, do Steve Biko Academic Hospital of Petroria (África do Sul).
“O apoio da AIEA foi fundamental, pois colocou nossos pesquisadores em contato direto com centros internacionais de excelência, os quais puderam orientar e discutir sobre os procedimentos de marcação e controle de qualidade do 225Ac-PSMA. Essas discussões colocaram o Brasil à frente no desenvolvimento desse novo radiofármaco. Quatro meses foram suficientes para promovermos adequação dos protocolos e realizamos os experimentos necessários com a primeira remessa recebida em novembro. Ainda temos mais duas remessas de Ac-225 para a conclusão dos estudos”, relatou Perini.
Além da expertise dos pesquisadores do Centro de Radiofarmácia, a manipulação de uma partícula alfa-emissor exigiu estudos multidisciplinares e o envolvimento de vários setores do Instituto. “Também tivemos apoio constante da equipe do CNPEM no desenvolvimento de aparatos de infraestrutura para a marcação da molécula de PSMA com o Ac-225. Agradeço a participação de cada um dos integrantes deste grupo de pesquisadores, no qual todos possuem papeis interdisciplinares fundamentais para anunciarmos este marco histórico”, concluiu.
Outras ações
O IPEN/CNEN é o principal produtor de radiofármacos no Brasil. Recentemente, o Instituto teve projeto nacional aprovado pela AIEA para produção nacional do Ac-225 e disponibilização de doses de Lu-177-PSMA com vistas à capacitação de médicos nucleares e à ampliação do uso de teranóstico para câncer de próstata no Brasil. O projeto será executado em parceria com a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN) e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Além da forte atuação na medicina nuclear, o IPEN/CNEN realiza pesquisa e desenvolvimento, com foco na saúde masculina, em radioterapia. Único distribuidor de sementes de Iodo-125 para braquiterapia no Brasil, o Instituto tem pela frente o desafio de produzi-la. Para isso, o Laboratório de Produção de Fontes Radioativas para Radioterapia, do Centro de Tecnologia das Radiações (CETER), desenvolveu um protótipo com registro no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).
As sementes de iodo-125 têm dimensões milimétricas, são compostas de uma cápsula cilíndrica de titânio de 0,8 mm de diâmetro externo e 4,5 mm de comprimento. De acordo com a pesquisadora Maria Elisa Chuery Martins Rostelato, coordenadora da pesquisa e idealizadora do protótipo, o titânio foi escolhido porque é biocompatível, possui baixo índice de rejeição e sua parede é fina o suficiente para permitir a passagem da radiação.
“O Iodo-125 fica depositado na superfície de um fio de prata de 0,5mm de diâmetro, que é alocado no interior da cápsula. “Os fios de prata recebem o iodo-125, são inseridos nos tubos de titânio e selados a laser”, explica Rostelato. Segundo ela, a braquiterapia com sementes de Iodo-125 ainda não é coberta pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas existe um consenso entre o IPEN/CNEN e a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBR) de pleitear essa cobertura com a nacionalização da produção.
“Como se trata de uma demanda expressiva, nós temos condições de pleitear e até de obter êxito”, disse Rostelato, referindo-se à incidência de câncer de próstata no país. O câncer de próstata é o tipo de neoplasia maligna mais comum entre os homens (excetuando-se o câncer de pele não melanoma). A estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca) para este ano é de mais de 65 mil novos casos e 15.576 mortes.